quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Guarda - Biblioteca Eduardo Lourenço


Acabámos ontem na Guarda a nossa mini-digressão que passou também por Castelo Branco, Cartaxo, Minde, Lisboa, Redondo, Sines e Lagos com o conto "Uma Galinha" da Clarice Lispector.

Em Maio do ano passado, estivemos nesta biblioteca com "O meu primeiro D.Quixote".
Foi óptimo voltar a este espaço dirigido por Américo Rodrigues. Não é uma biblioteca como as outras. Como nos explicou o Américo, a ideia é ir a pouco e pouco, dessacralizando a biblioteca e a relação que a população tem com estes espaços. Aqui há uma programação cultural regular que apresenta projectos como as Histórias Magnéticas, convida artistas de várias áreas para ateliers/conversas sobre o seu trabalho, exposições, concertos, etc, etc... A programação pode girar à volta de um autor ou personagem, como aconteceu com Sancho Pança em 2016.
Aqui há livros velhos que foram abatidos da colecção da biblioteca que estão em mesas e que são oferecidos aos visitantes! (eu trouxe 3! Todos os dias eram acrescentados novos títulos.) Há mesas por todo o lado com livros, cd's e dvd's recomendados. E há sempre qualquer coisa a acontecer no auditório principal - quando lá estivemos, as paredes estavam cobertas com pranchas de banda desenhada de José Ruy e preparava-se para mais tarde a projecção de um filme de Eisenstein. Como se não chegasse, o espaço da garagem foi preparado para poder ser transformado numa pequena "black box" onde acontecem concertos. E é assim que uma biblioteca pode ser um pólo importantíssimo na actividade cultural de uma cidade. Enquanto cá estive, a biblioteca esteve sempre cheia, sobretudo jovens a entrar e a sair com livros debaixo do braço. Seria mesmo bom que todas as bibliotecas seguissem este modelo.

Nas nossas 4 sessões, tivemos crianças do 3º e 4º anos da Escola Básica da Estação, do Centro Escolar da Sequeira e da Escola Regional Dr. José Dinis da Fonseca. À última sessão, assistiram também alunas do curso técnico superior profissional - acompanhamento de crianças e jovens - do Instituto Politécnico da Guarda.

Foi o fim da digressão e gostei de sentir que eu e a Isabel atingimos um grau de liberdade enorme com esta história. Neste conto, a música é muito mais improvisada e de sessão em sessão, ao longo deste ano, fomos transformando e apurando as possibilidades que isso abriu na relação entre a narração e a guitarra. Aqui na Guarda, estávamos no pico da nossa forma, totalmente descontraídos e focados.

Nos ateliers, também nos foram sempre surgindo novas ideias: por acidente, reparámos que podíamos reproduzir a fotografia que usamos do Merce Cunningham em contra-luz na posição "ovo". Acabámos com eles a dançar e a fazer sombras, inspirados nos movimentos "vibráteis" da galinha e ao som da minha guitarra. Foi incrível!

Mais uma vez, fomos surpreendidos pelas interpretações que as crianças fazem deste conto e pelas histórias que nos relatam sobre galinhas. A propósito do final da história de Clarice Lispector, o Afonso disse simplesmente que a família se tinha esquecido da galinha e isso explica o final abrupto e lapidar: "E um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos".

Confessaram-se alguns momentos de crueldade que todos já tivemos sobre os animais - atirar pedras às galinhas ou fisgadas a passarinhos -  mas concordámos que isso faz parte do processo natural do crescimento e da aprendizagem e ninguém tinha ficado com vontade de repetir a experiência.

A propósito do fascínio por galinhas, o Martim contou-nos que o seu irmão de 3 anos é capaz de ficar horas apoiado na rede do galinheiro a observar estas aves de "curto vôo" que "caminham com a cabeça à frente do corpo".

Rimo-nos das galinhas e dos seus movimentos que traduzem "as suas duas únicas capacidades: a da apatia e a do sobressalto", do Charlot a fazer de galinha na "Quimera de Ouro" ou do hipnotizador de galinhas em "O Navio" de F. Felini.

Obrigado a todos mais uma vez e até à próxima!


(roubei a foto em cima do facebook da BMEL tirada pela incansável Ana Pereira que nos apoiou e acompanhou todos os dias. Ana, espero que não te importes!)




























































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