A Fernanda Lapa tinha dado há dois meses uma entrevista incrível e interessantíssima ao Expresso, onde falou de muitas coisas diferentes sem perder tempo nem com papas na língua. Monumental!
Pelo meio, ao descrever a situação da sua companhia A Escola de Mulheres, deu-nos o melhor retrato da situação da cultura e das artes em Portugal, agora e sempre.
Sr. Presidente, Sr.Primeiro Ministro, Sra.Ministra da Cultura: não vos chega o depoimento de uma das mais importantes atrizes e da maior encenadora portuguesa que nos disse, aos 77 anos, dois meses antes de morrer, que passou a vida toda a tentar “aguentar o barco”? Será que este depoimento arrebatador, vindo de quem veio, não é suficiente para perceberem o que é o dia-a-dia da grande maioria dos trabalhadores da cultura em Portugal? Por isso, por favor, não venham agora elogiar a Fernanda Lapa e a cultura portuguesa com lágrimas de crocodilo e declarações tipo “todos lhe devemos muito”. Ficaram a dever-lhe tudo em verticalidade e condições dignas de trabalho, isso de certeza.
Excerto da entrevista:
Bernardo Mendonça: (…) A Escola de Mulheres acaba de celebrar 25 anos (…). De que é que mais se orgulha neste caminho, nestes 25 anos com A Escola de Mulheres?
Fernanda Lapa: (…) Foi ter conseguido aguentar o barco, porque muitas vezes apeteceu desistir. Nós somos uma companhia com 25 anos - comigo que tenho cinquenta e não sei quantos anos de encenação - a menos apoiada pela DGArtes/Ministério da Cultura, daquelas que têm apoio quadrianual. Somos só três. Eu não recebo um tostão porque vivo da minha reforma da Universidade de Évora, o meu trabalho é gratuito para A Escola de Mulheres. Tirando o Ruy Malheiro que é o nosso maravilhoso produtor e que ganha muito menos do que aquilo que ele merecia, a Marta (Lapa) tem pouco mais que o ordenado mínimo. Somos nós os três que aguentamos o barco. Mas quando chega a altura da produção de um espectáculo, o dinheiro foi para a renda, foi para a luz, foi para a água, para os seguros, para os contabilistas. As despesas de manutenção esgotam 2/3 do nosso orçamento, portanto, os nossos espectáculos - ou temos co-produções, coisas que temos raramente, tivemos a última em Janeiro passado no Teatro São Luiz e íamos ter em Novembro para o aniversário do centenário do Bernardo Santareno que caiu, (…)
Bernardo Mendonça: Isso quer dizer que a par da criação e do trabalho de levar peças a palco, há um trabalho constante de contar tostões, de contar dinheiro, de esticar a corda para ver se chega…
Fernanda Lapa: Eu oiço muitas vezes que o artista cria melhor nas dificuldades. Não é verdade! Se eu tenho que estar preocupada com os tostões, que disponibilidade mental e criativa tenho para construir aquilo que quero que seja uma obra de arte?
na foto com José Gomes Ferreira e Mário Viegas (tirei do facebook)
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