quinta-feira, 28 de março de 2019

Uma guitarra




O guitarrista irlandês Tommy Halferty começou uma vez uma aula olhando para a guitarra dele e dizendo que a primeira coisa que tínhamos que aprender era a amar o nosso instrumento. 
Numa entrevista, depois de ter perdido grande parte das suas guitarras num incêndio terrível na sua casa, John Abercrombie disse que se tinha apercebido nesse momento que uma guitarra não passa de um pau com 6 cordas, arranja-se outra e a vida continua.
Eu nunca tratei especialmente bem as minhas guitarras. Nunca tive grande curiosidade em saber como é que são construídas. Desde que toquem, eu adapto-me e faço o resto. 
Mas hoje escrevo isto porque descobri que estou verdadeiramente apaixonado pela minha Yamaha acústica. 
Comprei-a em 1996 por 100 dólares numa visita aos EUA, mais concretamente à cidade de Durham onde tinha ido operar o som de uma peça da coreógrafa Vera Mantero e filmar umas imagens para um vídeo que o Ruy Otero estava a fazer para a peça "Road Movie" de Sílvia Real. Nos momentos mortos, passeava-me por aquela cidade horrível cujas lojas da avenida principal variavam entre lojas de armas e restaurantes de fast-food.  Estava um calor abrasador o tempo todo e uma tarde, para fugir ao sol de chapa, enfiei-me por uma rua transversal e descobri uma loja de instrumentos musicais. Entrei, claro. Deparei com um cenário de um western: uma loja vazia à meia-luz, guitarras penduradas por todo o lado, cobertas de pó. No meio da escuridão, vislumbrei uns botins sobre uma mesa na ponta de umas pernas agarradas a um tronco que suportava uma cabeça coberta por um chapéu debaixo do qual se via um grande bigode e fumo. Era uma pessoa e não se mexia. Percebi que eu devia ser o primeiro cliente em anos. Lá vociferou qualquer coisa, eu cumprimentei-o, dei uma volta pela loja e saí. Infelizmente, eu tinha muito pouco dinheiro. Mas no dia seguinte voltei e comprei um Fender Jazz Bass por 100 dólares. E voltei lá também no dia seguinte. “Sérgio, my best customer!” disse o dono quando eu entrei. E saí com a minha primeira guitarra Folk - uma Yamaha FG-441S fabricada em Taiwan - dentro de uma linda caixa preta de cartão prensado onde o vendedor colou o autocolante que ainda lá está: "The Music Loft". 
Durante mais de 18 anos, nunca me dei bem com ela mas também nunca a vendi. Sempre a tratei como um brinquedo e quando o meu filho nasceu, entreguei-lhe o objecto para ele fazer o que quisesse dele. Levou muita pancada, mas resistiu sempre. 
Até que um dia, resolvi levá-la ao luthier Roberto Mateus que me disse logo que já nem as Yamaha topo de gama usam madeiras daquela qualidade, ainda por cima bem envelhecida! Tinha na mão um excelente instrumento. Com meia dúzia de acertos, o Roberto devolveu-me uma guitarra cujo som não pára de crescer de dia para dia e com a qual acabei por gravar o CD quase todo das Histórias Magnéticas. 
Agora só me apetece tocar nesta guitarra e estamos mesmo agarrados um ao outro.

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